Depois do Silêncio

de Christiane Jatahy, no Centro Cultural de Belém

Crítica de Afonso Molinar, Diretor Artístico do teatroàfaca

Olá! Estamos, finalmente, de volta! Agosto é um mês em que pouco ou quase nenhum teatro se faz — também precisamos de férias, que correr por gosto cansa da mesma forma —, e por isso queria aproveitar esta reentrée para fazer uma entrada em magnânimos, e foi mesmo isso que aconteceu.

 

No passado dia 15, passei pelo Pequeno Auditório do CCB para ver Depois do Silêncio, um espectáculo da encenadora e cineasta Christiane Jatahy, que recomendaria mil vezes, não tivesse a sua curta passagem por Lisboa sido apenas de dois dias.  Ainda assim, procurarei encontrar lugar de falar sobre este pequeno colosso.

 

O espectáculo, que encerra a Trilogia do Horror, junta duas outras obras para se formar: Torto Arado, um romance de 2019 da autoria de Itamar Vieira Junior, narrado pelas vozes de três mulheres que Jatahy coloca em cena; e o filme documental de Eduardo Coutinho, Cabra marcado para morrer, que fala da vida e assassinato do sindicalista João Pedro Teixeira, cuja rodagem e começa em 1964 e é interrompida no mesmo ano pelo Golpe Militar, tendo apenas sido terminado vinte anos depois.

 

Assim, é colocado em cena um binómio Teatro-Cinema, cuja narrativa de violência é transportada para a primeira pessoa através das vozes de pessoas de uma comunidade do interior do Brasil em luto profundo pelo assassinato em emboscada de um membro cuja posição seria similar à de João Pedro Teixeira — sindicalista, em luta pela liberdade, pelo direito à sua terra e segurança para a sua comunidade e família.

 

Ao longo do espectáculo, vamos conhecendo as posições destas mulheres e das suas diferentes relações com esta figura central para a narrativa, e de como a viúva, apoiada pelas suas irmã e cunhada, surge enquanto uma continuação e um amplificador desse acontecimento, espalhando pelo mundo através de um espectáculo os horrores que muito do povo brasileiro viveu e ainda vive, neste caso à mão de latifundiários.

 

É um espectáculo absolutamente arrebatador e, acima de tudo, necessário. Durante muito tempo fui relutante em relação à ligação entre política e arte, mas é por gritos destes que a necessária ligação entre uma e outra se torna óbvia.

 

Poderão ter percebido que estou propositadamente a ser vago. Não é fácil pôr por palavras aquilo que foi atingido ali, e o máximo que posso deixar como recomendação, acrescido a isto, é que não tirem os olhos de Jatahy. Se não puderam ver, fica a recomendação para o futuro.

 
Anterior
Anterior

O Poder e o Desejo

Próximo
Próximo

Uma carta sobre o conceito de férias em Teatro