Victor ou as crianças no poder

de Roger Vitrac, no Teatro da Politécnica

Crítica de Afonso Molinar, Diretor Artístico do teatroàfaca

Com acção em 1909, estreia em 1928, e, quase cem anos depois, colocada em cena pel’Os Possessos com encenação de João Pedro Mamede, Victor ou as crianças no poder apresenta ao espectador a figura de Victor que, na noite do seu 9º aniversário, decide quebrar os cânones da sua infância e passar a ser adulto.

 

À abertura do pano de boca, somos confrontados com uma proposta cenográfica alusiva a uma mistura de sala de festas para crianças com a sala de jantar Art Deco de uma família pequeno-burguesa, produzida com paredes altas com painéis delineados com fita-cola, e um padrão retorcido a imitar um mosaico no chão. A cena vai sendo composta porelementos de riqueza aparente, de objectos banais com alterações, comouma mesa de jantar ou um sofá com rodas, e elementos de farsa teatral, utilitários, como dois jarrões que terão de ser partidos ou um bocado de espuma que tem de ser esfaqueado. 

 

Este espaço, já por si a pedir que seja invadido de caos, é lentamente ocupado pelas personagens que o habitam. Victor, presente desde o início do espetáculo, aparece perante o público enquanto uminconformista “terrivelmente inteligente”, e que já não quer ser criança. É um pretexto maravilhoso para um texto teatral e, apesar de ser altamente datado, o autor consegue espremer dessa premissa situações bizarríssimas, que ficaram muitíssimo bem defendidas pelos actores, e que levam a alguns dos pontos mais fortes do espectáculo.

 

No entanto, este anti-Peter Pan, aqui interpretado por Henrique Gil, parece desde cedo não encaixar na lógica estabelecida pelas outras personagens: não sabendo se se trata de proposta ou encenação, não é a relação ou o jogo de poder estabelecida entre este e a empregada, cena com que inicia o espectáculo, que despoletou maior interesse à sua presença nas cenas que se seguiam – quando seria a sucessão lógica, visto ser precisamente esse o foco da conversa que se segue. Mesmo na sua relação com Esther, interpretada por Isabel Costa, com quem é formado um pacto necessário por serem as únicas duas crianças numa insurreição contra os adultos ali presentes, este parece nunca passar da tentativa de se relacionar com os seus interlocutores, e não mostra grande evolução de cena para cena. Pelo contrário, Isabel Costa consegue arrancar com uma interpretação que, se no início parece exagerada, fruto da sua entrega total ao ridículo proposto, começa a ganhar sentido com o desenrolar da acção, e do seu arco de transformação de criança (que nunca deixa de ser) para uma quase-mulher, que convence o espectador a ir consigo ao longo do espectáculo.

 

O resto do elenco demonstra uma grande cumplicidade e capacidade de jogo entre si e consigo mesmo, lidando com o absurdo das situações que todo o texto impõe, com maior incidência nos intérpretes Rafael Gomes, Leonardo Garibaldi e, novamente, Isabel Costa. Deixo ainda uma menção especial ao bombom que António Simão nos entrega nos últimos minutos de espectáculo.

 

O espectáculo é ainda acompanhado por uma banda sonora contínua que, em grande escala, não acrescenta nem subtrai nada ao espectáculo. Está lá, faz um ínfimo barulho (que mal se ouve), mas o seu único momento de destaque é nas mudanças de cena. Caso estas vosaborreçam, poderão ocupar o tempo – oportunidades não faltam – a tentar perceber se há, ou não, técnicos a interpretar um Moving Head: é só olhar para trás.

 

Victor ou as crianças no poder estará em cena até dia 24 de Fevereiro, de Terça a Sábado, no Teatro da Politécnica.

 
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