Se te portares bem, vamos ao McDonald’s!

de Mário Coelho, no Teatro Ibérico

Crítica de Afonso Molinar, Diretor Artístico do teatroàfaca

Ontem, na estreia da sua reposição em Lisboa, após uma breve passagem pelo TBA em outubro de 2022, fomos ver ao Teatro Ibérico o espectáculo Se te portares bem, vamos ao Mcdonald’s!, de Mário Coelho, que conta com a interpretação de Cleo Diára, Inês Vaz, Mariana Guarda, Mariana Pacheco de Medeiros, Pedro Baptista e Rita Rocha Silva, além do próprio Mário Coelho no vídeo com que o espectáculo arranca.

 

A narrativa apresenta-nos uma personagem (Rita Rocha Silva) que, através de uma empresa especializada na substituição de pessoas por actores que as interpretem na sua ausência na vida real, apresentada enquanto extremamente exclusiva e com práticas abusivas e tóxicas de formação e empregabilidade, é contratada para acompanhar um homem nos últimos momentos da sua vida, o que acaba por não cumprir. Aqui, termina a porção em vídeo do espectáculo. Daí em diante, assistimos a alguns dias da sua vida enquanto Leonor, uma criança que está ausente naquela família, aparentemente fruto de uma gravidez psicológica da figura da mãe (Inês Vaz), e a toda a tensão provocada com os seus dois filhos (Mariana Guarda e Pedro Baptista), fruto das suas relações, mas também da presença daquela espécie de actriz que, tendo a mesma idade aparente que eles, “vive” enquanto a sua suposta irmã mais nova. Do resto da narrativa não falarei: fica para quem for ver o espectáculo.

 

Sigo o trabalho do Mário há alguns anos, e há alguns elementos que já são espaços-comuns na estética que lhe é tão própria, e que não ficam de fora neste espectáculo: o recurso a elementos musicais e sonoros Pop; a relação com o cinema e o vídeo, que está presente física e formalmente; a narrativa com rasgos de surrealismo e nonsense e de procura do plot twist (mais do que um, por vezes), que procura esticar os limites do trabalho narrativo relacionado, também, com a infância; e sobretudo as constantes cenas paralelas, em que duas, três, quatro coisas acontecem em simultâneo, tanto em diferentes espaços cénicos como em espaço partilhado, de onde surgem momentos de grande caos e tensão alavancados por alguma (aparente, pelo menos) improvisação dentro da lógica da cena e da relação estabelecida entre personagens, muitas vezes com todos os presentes a falar ao mesmo tempo.

 

Todos estes elementos, também presentes noutros espetáculos que, similarmente, terminam com um ponto de exclamação (elemento gráfico que me parece definitivo e muito acertado na autodescriçãodesta linha de trabalho, sempre “ ! ! ! “), surgem reordenados em Se te portares bem, vamos ao McDonald’s!, e cuja coragem e precisão de aplicação fomentam uma enorme admiração que nutro pela estética que o Mário Coelho construiu ao longo dos anos.

 

No entanto, vejo-me confrontado comigo mesmo e com a minha experiência, e apanho-me a pensar na aplicação destes mecanismos fundadores da estética performativa do Mário Coelho para este espectáculo enquanto “demasiado de uma coisa boa”: são elementos que reconheço como determinantes para a existência da estética em si, mas com alguns problemas que não me deixavam aproveitá-los e viver as 2h30 que eram propostas. As interpretações estavam lá, com enorme destaque para Rita Rocha Silva, sendo também de destacar o trabalho de Inês Vaz e Pedro Baptista, a narrativa é cativante e tem momentos de grande frescura e retorção em igual medida, mas porque é que não o senti da mesma forma, com a mesma pulsão que outros espectáculos anteriores com as mesmas linhas?

 

Apanho-me também a sentir-me injusto por comparar espectáculos, por isso não o farei. Dedico-me a pensar, então, o que é que o espectáculo tinha para que não tenha conseguido estabelecer essa ligação com o mesmo. Talvez por, tecnicamente (e não sei se por características da monumentalidade da sala do Teatro Ibérico - não pude ver no TBA, onde talvez fosse diferente -, se por escolha, ou se por falta de equalização entre intérpretes misturado com o excesso de caos proposto), a cena sofre por não se conseguir ouvir e/ou perceber uma grande parte do que é dito; acrescentando a isso, as cenas de caos que referia anteriormente eram, por vezes, muito longas, não lhes sendo apontada uma direção ou fim previsto, ou pelo menos não mantendo a tensão necessária para que toda aquela intensidade caótica fosse sustentada. Para terminar, a presença de algumas cenas cujo impacto narrativo fica aquém do seu potencial, alongando o espectáculo com caminhos que não apresentam resolução: um exemplo disto é um encontro que a personagem de Pedro Baptista e de Rita Rocha Silva têm no pequeno quarto dela, em que este insiste que se quer deitar com ela; sabemos que aquela não é a irmã mais nova dele, e é difícil encontrar pureza no gesto dele de se querer, à força, deitar com uma mulher da sua idade que está apenas a interpretar forçosamente a sua irmã, situação da qual ela não pode sair pelas regras que a própria empresa estipula. Mas a situação fica por aí. Ela sai do quarto para fugir à situação, ele rouba-lhe uns comprimidos, e não se volta a falar nisso.

 

É, ainda assim, um espectáculo muito forte do ponto de vista estético e conceptual, com interpretações corajosas, rasgos de genialidade em mais do que um ponto, e um trabalho técnico difícil e intensivo, e que merece ser visto.

 

Se te portares bem, vamos ao McDonald’s! está em cena no Teatro Ibérico até segunda-feira, dia 20 de Maio.

 

Nota final: para terem acesso aos descontos, têm de comprar bilhete directamente com o Teatro Ibérico, processo que parecem fazer questão de dificultar em todas as fases, sem qualquer motivo aparente. Não se deixem desmotivar, que os artistas não têm culpa e merecem ser vistos! 

 
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