A Torre das Amoreiras

de Bernardo Beja, na Companhia Portuguesa de Bailado Contemporâneo

Crítica de Afonso Molinar, Diretor Artístico do teatroàfaca

   No passado dia 11 de Junho, passei no espaço da Companhia Portuguesa de Bailado Contemporâneo para assistir a um ensaio de A Torre das Amoreiras, espectáculo criado a partir dos textos de A Torre de la Défense de Copi e Casa de Bonecas de Ibsen, e encenado por Bernardo Beja.

La Défense, centro financeiro de Paris (e o maior da Europa), representa, para uma Paris central construída toda à mesma altura, da mesma cor, de forma homogénea, um rasgo: uma espécie de New York Skyline composta por arranha-céus de vidro e aço que tem crescido desde que começou a ser desenvolvida na década de 60 e com um enorme Boom de construção nos anos 80. Situada na continuidade de avenidas que, em linha recta, partem do Museu do Louvre, passando por três arcos crescentes em imensidão, torna-se, hoje, um local particularmente visível e impotente que pauta a vista dos inúmeros habitantes e turistas que por ali passam diariamente. Não é de admirar que, quando é imperativo para a narrativa do espectáculo pensar numa torre particularmente visível na cidade de Lisboa, a opção tenha sido uma torre das Amoreiras, que pauta uma grande quantidade de paisagens visíveis pelas janelas lisboetas.

Estamos em 31 de Dezembro de 1976, e um casal gay (Gonçalo Botelho e Francisco Pereira de Almeida), uma burguesa (Rita Rocha) e a sua filha, uma lésbica (Flávia Lopes), um árabe (Fábio Batista) e uma gaivota (Ana Catarina Santos) encontram-se num apartamento no bairro das Amoreiras. Estão ali não necessariamente por escolha, ou por consenso, mas vão estando e deixando de estar conforme a necessidade, capricho ou instinto de sobrevivência os obriga. Preparam um grande jantar e uma grande festa de passagem de ano, quando tudo começa acorrer mal – ou, pelo menos, quando o mal do passado invade, por fim, o presente.

Entre as diferentes etapas por que o espectáculo passa, desenrolam-se momentos muito bem conseguidos que mantém um misto de Vaudeville e de comédia de situação, cruzando personagens farsescas e cartoon com uma narrativa absurdista, e que acaba por evoluir para momentos com laivos de tragédia, em que a hamartia de uma das personagens provoca a mudança repentina na direção inicialmente proposta pela narrativa, tornando-se, nos últimos minutos, um poço de tensão e drama. A acção, muito sustentada pela eficácia e aleatoriedade textual de Copi, é acentuada pela individualidade criada em cena entre os intérpretes; apesar de, por vezes, poderem estar sincopados no ritmo estabelecido (para evitar escrever que é o “ritmo que a cena pede”, algo puramente subjectivo), outras interpretações – ou até mesmo presenças – ajudam a calibrar a cadência cénica e a conferir-lhe os tempos necessários às diferentes etapas propostas pela encenação de cada cena, proporcionando momentos hilariantes ao longo de todo o espectáculo, com especial destaque para Fábio Batista e Rita Rocha.

Para completar esta composição, a banda sonora desenhada por Steven Gillon traça um caminho paralelo que transporta o espectador até à tragédia final, através de momentos que se aproximam de um neoexpressionismo que contradiz as tendências rebuscadas de Copi, mas que servem uma encenação que procura adensar os momentos de tensão.

Já a cenografia, assinada por Daniela Cardante, é composta por elementos e adereços brancos e minimalistas que comporiam um possível loft industrial onde as bancadas da kitchenette, o sofá da sala de estar, a mesa da sala de jantar e a banheira da casa de banho (separada por um pequeno vidro transparente) habitam um espaço comum onde a privacidade não existe, nem sequer nos assuntos que pertencem à intimidade de cada uma daquelas pessoas; aproveitando a imensidão e peso do espaço da CPBC, as suas paredes de tijolo, e o chão de pedra irregular e descuidado, é ainda situada uma enorme escadaria que parece representar um terraço onde as personagens vão para se isolar, pensar, ou contemplar o suicídio; no centro, um telefone pendurado, que também obriga à exposição perante a sala de qualquer conversa que seja tida; por fim, nuvens, massasamorfas espalhadas pelo palco, indicativas da altura do apartamento, da névoa que provoca afastamento ou desconexão com a realidade, e também de que nem tudo está imediatamente visível naquela situação — talvez queira esconder que o complexo das Amoreiras só seria construído na década seguinte mas que, como o twist trágico da narrativa, já se adivinhava.

A Torre das Amoreiras está em cena de 19 a 30 de Junho na CPBC, de 4ª a Sábado às 21h30 e Domingo às 17h, a entrada é feita por contribuição através de um donativo, sujeito à limitação da sala e as reservas podem ser feitas para ritammcapelo@gmail.com.

 
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